Publicidade


Cobertura de ciclone garante inundação?

TJRS reconhece que exclusão de alagamento em cobertura de ciclone é abusiva e reforça proteção ao segurado



August 25, 2025
Coluna: Opinião jurídica
Colunista: Lúcio Roca Bragança

cobertura-de-ciclone-garante-inundacao

Os riscos cobertos pelo contrato de seguro são aqueles predeterminados na apólice, de modo que, por outros, não responde seguradora – é o que dispõe o art. 757 do Código Civil. A vindoura lei de seguros possui disposição mais abrangente sobre o tema, dispondo que, além dos “riscos predeterminados” (art. 1º), o contrato deve cobrir também “os riscos relativos à espécie de seguro contratada” (art. 9º).

De fato, o contrato há de ser útil para aquele que contrata e, na medida do possível, respeitar a legítima expectativa do segurado, além de não poder, jamais, contrariar a boa-fé objetiva, nem colocar o consumidor em desvantagem exagerada. Pois foi com base nestas balizas que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu em julgamento ampliado, reunindo os integrantes de ambas as câmaras competentes para apreciar matéria securitária, que a inundação é consequência natural de um ciclone e, por conseguinte, insere-se também na cobertura.

O julgamento recebeu a seguinte ementa:

APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. AÇÃO DE COBRANÇA. SINISTRO DECORRENTE DE CICLONE EXTRATROPICAL. CLÁUSULA EXCLUDENTE abusiva. INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. INDENIZAÇÃO DEVIDA.

A CLÁUSULA CONTRATUAL QUE EXCLUI A COBERTURA PARA DANOS DECORRENTES DE ALAGAMENTO, QUANDO ESTE É CONSEQUÊNCIA DIRETA E PREVISÍVEL DE UM RISCO COBERTO (CICLONE), MOSTRA-SE ABUSIVA POR AFRONTA À BOA-FÉ OBJETIVA E POR COLOCAR O CONSUMIDOR EM DESVANTAGEM EXAGERADA (ART. 51, IV, DO CDC). O DEVER DE INDENIZAR NOS LIMITES DA APÓLICE É MEDIDA QUE SE IMPÕE.

(APC 5001537-03.2024.8.21.0047, Rel.  Mauro Caum Goncalves, j. em 23/07/2025)

Trata-se de um seguro compreensivo empresarial com cobertura expressa para “Vendaval, Furacão, Ciclone, Tornado”; segundo constou da negativa, estariam cobertos somente os sinistros ocorridos por força da ação do deslocamento do ar. E assim também decidiu a sentença, que deu pela improcedência da pretensão do segurado, ressaltando que havia exclusão expressa para alagamento ou inundação.

Porém, em sede de recurso, o segurado defendeu, com singular destreza, que a exclusão seria abusiva, eis que a própria seguradora definia ciclone como “tempestade” e tempestade, como todos sabem, nomina chuvas fortes associadas a vento; confira-se a definição da apólice:

“CICLONE: TEMPESTADE VIOLENTA PRODUZIDA POR EXTENSAS MASSAS DE AR QUE SE DESLOCAM À VELOCIDADE DE TRANSLAÇÃO CRESCENTE.”

Ora, quem, em sã consciência pagaria por uma cobertura de tempestade que não cobre os efeitos das chuvas? Com tal definição, excluir danos de água da cobertura de ciclone seria semelhante a, em uma cobertura por incêndio, excluir os danos causados pelo calor, ou pela fumaça, ou, quiçá, pelo próprio fogo.

O caso mostra a importância de uma cuidadosa revisão dos termos da apólice, pois, ante semelhante teor de clausulado, não se pode concluir senão que acertou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em considerar abusiva a exclusão, dando a inundação por ínsita à cobertura de ciclone.




Publicidade




Lúcio Roca Bragança

Lúcio Roca Bragança

Advogado no Escritório Boch&Favero. Pós-graduado em Direito do Seguro e Direito do Estado.
Diretor Jurídico Adjunto do CVG/RS. Secretário-Geral da Comissão de Seguros e Previdência Complementar da OAB/RS.

Email: lucio@bochfavero.com.br







topo