Coluna: Sobre Seguros e Direito
Colunista: Carlos Josias
Do exame de caso judicial a uma previsão de solidificação do julgado pelo histórico evolutivo da questão meritória
Trago caso que diz com pleito de pedido indenizatório por incapacidade temporária face afastamento de atividades em decorrência de procedimento cirúrgico para retirada de mioma do útero, fibroma uterino, que restou negado por segurador diante de omissão de enfermidade preexistente, motivo impeditivo da cobertura, que teria causado a paralização.
A ação foi ajuizada também contra o Banco Estipulante sendo que o processo teve julgamento, neste item, de extinção, face precedente do Juizado da ilegitimidade do estipulante para responder pela demanda de cobrança do sinistro.
NO MÉRITO confirmou a sentença eis que teria ficado demonstrado nos autos de que a segurada já conhecia a existência de tumor canceroso quando da contratação da apólice.
Observou, a turma recursal, de que a prova documental foi robusta e tornou claro que o segurado omitiu informações quando do preenchimento da proposta.
Invocado o artigo 766 do Código Civil que dispõe:
“Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido”
E seguiu precedentes do Juizado:
RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGUROS DE VIDA. NEGATIVA DE COBERTURA. OMISSÃO DE DOENÇA PREEXISTENTE ÀCONTRATAÇÃO. EXAMES JUNTADOS AOS AUTOS, ANTERIORES À CONTRATAÇÃO DO SEGURO, QUE ATESTAM QUE O SEGURADO TINHA CONHECIMENTO DE SEU ESTADO DE SAÚDE. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ CONTRATUAL. DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO. SENTENÇA REFORMADA. PEDIDOS INICIAIS IMPROCEDENTES. RECURSO PROVIDO.” (Recurso Cível, Nº 71009564568, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Ana Cláudia Cachapuz Silva Raabe, Julgado em: 26-08-2020). Demonstrada a regularidade da negativa quanto à cobertura”
Estas situações no Judiciário do pais inteiro são recorrentes.
Em que pese haver sistemáticas negativas e repetidas decisões no mesmo sentido desta que aqui se traz e do julgado colacionado, as demandas na mesma esteira não param de ser ajuizadas com as mesmas teses de sempre e que refletem posições superadas, ao menos neste momento.
Tenho que sabedores de que a jurisprudência está sempre sujeita a variações instiga-se o socorro com retorno ao assunto em insistente frequência
Verdade que o judiciário, por ser composto de humanos sujeitos a alterações de pensamentos, ideias e opiniões, também de acordo com o tempo e local, implica troca de posições e pensamentos com alguma repetição periódica, no que esta insistência pode encontrar uma certa dose de compreensível razoabilidade, nem me parece possível evitá-la de todo, haja vista, inclusive, ser exatamente por isto existir o princípio filosófico do duplo grau de jurisdição. Entretanto o acumulo de processos no Poder Judiciário está, de novo, beirando a um perigoso colapso e colocando em risco a boa prestação jurisdicional e a grande atenção que deve, o judiciário ter com todos que buscam, nele, a legítima forma de se socorrer face suas angústias e aflições diárias, quer para conforto financeiro quer para reparos de natureza emocional que a vida em sociedade lhe impõe.
Certo que muita evolução houve, mas de se ressaltar que a grande parte dela se deve ao mundo exterior, por exemplo, a tecnologia, que tem sido fundamental para abreviar a vida de litígios judiciais.
No caso trazido para ilustração, por exemplo, durante muitos anos se debateu se a denominada doença preexistente deveria ou não receber abrigo do contrato com a recepção da cobertura.
Enquanto o debate se restringia ao terreno das teses – estava centrado na dispensa do exame prévio, se este autorizaria ou não a se concluir que ao permitir tal dispensa o segurador abria mão da discussão sobre existência anterior de enfermidade, pois se estaria presumindo que recepcionava o contrato assumindo o risco (uma espécie de correr o risco do risco) – esta questão parecia repousar sob o terreno da inclinação, da opinião, da tendência filosófica do julgado
Assim foi até que a predominância conclusiva definiu que provada a enfermidade antes da contratação ocorria a desnaturação do contrato pela quebra da boa-fé, requisito chefe da natureza jurídica do seguro e foi jogado para a constituição da prova o núcleo central apreciativo do tema.
Jogado para a prova, a discussão passou a se debruçar sobre validade e consistência das evidências.
Mudou o foco, resolvida a questão e formada maioria na sustentação, em favor da tese prejudicial por doença anterior, as causas passaram a ser examinadas sobre a robustez do conjunto probatório.
Não se debatia mais se a doença preexistente deveria, ou pelo menos tal questão passou a ser secundária, ou não ser coberta pela apólice, o que se discutiria era se a prova produzida era, efetivamente, demonstração da existência da enfermidade antes da assinatura
Demonstrada, caia a cobertura, não demonstrada a indenização era devida.
Era o estabelecimento consagrado do princípio do ônus da prova pertencer a quem alega e a dúvida remeter à razão do mais vulnerável, isto antes mesmo do advento do Código do Consumidor
Foi, durante muito tempo este o pensamento que norteou os enfrentamentos judiciais entre segurados e seguradores afirmando um dogma quase insuperável a estes dada a dificuldades de obtenção deste resultado probante.
Isto impôs à parte onerada a execução reiterada de paciencioso trabalho investigativo, de alto custo, pouco retorno e que, ainda, esbarrava, invariavelmente, em atuações amadoras, não raras vezes abusivas, de final duvidoso, além da resistência causada pela unilateralidade da conclusão da missão resultando em pouco aproveitamento para o desfecho favorável da causa.
A tecnologia, contudo, como instrumento de apuração avançou neste terreno de maneira avassaladora, hoje, é possível aprofundar-se na vida do paciente e produzir prova cabal da ciência, deste, de enfermidades anteriores à contratação, sem atropelos ao devido processo legal.
Em síntese breve, a discussão hoje foi, significativamente, reduzida à prova produzida que, também hoje, deixou de ser um “bicho papão” e se constitui tarefa possível de realização sem grandes ginásticas.
Nesta linha, este tema ruma à manutenção da postura atual e salvo o risco ou possibilidade, sempre presente, da mudança da mentalidade de quem julga, não teremos mais novidades no ponto.
Outro tema, portanto, que deve se manter nesta linha por muito tempo se é que haverá mudanças.
E mesmo assim, se houver alteração da posição, esta será da tese, pois cada vez encurta ou limita mais o centro do debate.
Advogado formado pela PUC/RS em 1982. Iniciou no ramo de seguros em 1970, atuando em Seguradoras e Corretoras. É professor, diplomado com honra ao mérito, da cadeira de Direito da ENS. Foi homenageado como profissional do direito pela OAB/ RS.
É Conselheiro do Clube de Seguros de Vida e Benefícios. Recebeu medalha de ouro da THE WORLD SHERIT HAPLEITA. Recebeu diploma de Honra ao Mérito do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, Secretaria da Educação. É acadêmico da Academia Nacional de Seguros e Previdência. Recebeu a honraria concedida pelo SINDICATO DAS SEGURADORAS DO ESTADO DO RS como NOTÁVEL.






