Coluna: Opinião jurídica
Colunista: Lúcio Roca Bragança
Cerca de 20 anos depois, voltei a comparecer a um Congresso do IBDS. O primeiro que participei foi em 2004, realizado no memorial a Juscelino Kubitschek, em Brasília e o mote era justamente o lançamento do Anteprojeto de Lei do Contrato de Seguro. Agora, com a Lei aprovada, e prestes a entrar em vigor, difícil não reconhecer a tenacidade e o brilho de Ernesto Tzirulnik, autor intelectual do anteprojeto, que soube, por tanto tempo, insistir em sua aprovação.
Olho em seus olhos brilhando em triunfo, no palco do MASP, onde se realiza o Congresso deste ano, e vem inevitável a lembrança do começo da empreitada, na capital federal; de certa forma, a história da Lei 15.040/2024 guarda paralelos com a história de Brasília, surgida do nada, em meio à desolação do cerrado no centro do planalto central: aqui também, a força de um homem convenceu um país a comprar a ideia de uma nova lei de seguros, quando ninguém imaginava dela necessitar, apenas um ano após estar vigor uma disciplina jurídica inteiramente nova com o Código Civil de 2002.
E o Congresso abre com o toque distinto de seu idealizador: no coquetel de recepção, suco de... jabuticaba; na abertura, o hino nacional tocado por descendentes de povos originários com instrumentos inusitados e, em seguida, os hinos dos países participantes em piano de cauda. As palestras que se sucedem no Museu de Arte de São Paulo captam a atenção, destacando-se uma sobre a responsabilidade do corretor de seguros, dividindo-a em 6 fases de conhecimento e participação: interesse, risco e produtos; formação do contrato; prova da contratação; duração do contrato; sinistro, regulação e liquidação; renovação e programa de seguros.
No intervalo, um fato tão jocoso quanto inesperado envolvendo o Seguro Gaúcho: encontro uma advogada de Porto Alegre, que vem me dizer: “Muito bacana, seu último artigo, pena que foi censurado”. “Perdão, senhora?” “Seu artigo sobre ciclones[1], fui ler novamente e ele estava fora ar, deve ter contrariado interesse de alguém.” Passei alguns minutos, afirmando de forma muito contundente que não há, nem nunca haverá, censura no Seguro Gaúcho e que, provavelmente, o fato se explica por alguma falha temporária de conexão. Despeço-me educadamente, mas ainda a ouço falar, talvez para si mesma: “era um ótimo artigo, pena ter sido censurado...”.
Seguem-se mais palestras que se estenderão ainda por todo o dia seguinte, até culminar no evento de despedida, com exibição do documentário sobre a nova lei (do qual tive oportunidade de contribuir com uma breve e inexpressiva entrevista), e a palestra do Ministro da Fazenda, que prometeu ordem, progresso e o novo eldorado para o mercado segurador a partir da nova lei.
Foi na saída do Congresso, porém, que me aconteceu um dos fatos mais marcantes.
Passando à beira da escadaria de uma igreja, um morador de rua me pede dinheiro. Digo que não tenho, mas não me importaria em lhe ceder um cigarro. A conversa envereda para o que realmente possui valor, até que ele me pergunta, “Queres saber o que eu tenho de mais precioso?” “Claro, por que não?” “Então, vem comigo.” Subimos alguns lances da escadaria até chegar ao degrau que parecia lhe servir de lar. Desdobrou panos puídos do que um dia talvez fora uma mochila e, com seus dedos imundos, me mostrou uma imagem de Nossa Senhora: “Isso é o que eu tenho de mais precioso, e é ela quem me protege.”
[1] https://segurogaucho.com.br/materia/view/53/cobertura-de-ciclone-garante-inundacao
Advogado no Escritório Boch&Favero. Pós-graduado em Direito do Seguro e Direito do Estado.
Diretor Jurídico Adjunto do CVG/RS. Secretário-Geral da Comissão de Seguros e Previdência Complementar da OAB/RS.






